sábado, 29 de maio de 2010

Entrevista a um ex recluso

A fim de alargar os nossos horizontes, e como somos umas criaturas, digamos, um pouco curiosas, decidimos mergulhar e conhecer um pouco mais deste mundo tão complexo.
Para efeito, realizamos uma entrevista a um ex-recluso que, melhor que ninguém, sabe qual o preço a pagar por praticar acções socialmente condenadas.
(Uma vez que a entrevista é bastante longa iremos colocar apenas algumas perguntas com os respectivos excertos, caso tenhas curiosidade em lê-la por completo, poderás fazê-lo na nossa revista que será publicada em breve!


Sexo: Masculino
Idade: 26



Qual a primeira impressão ao entrar numa cadeia, e qual o ambiente?

É péssima. Primeiro não sabes o que te espera, eu já tinha ido lá visitar, mas o estar lá dentro é completamente diferente.
Quando entrei estava quase a fazer os vinte anos, e a verdade é que sentia-me um miúdo ali dentro. Puseram-me logo numa camarata com 18 pessoas, de várias nacionalidades, e não sabes o que pode acontecer. Temos de estar sempre atentos, em alerta… Não dormes descansado, passas as noites em branco, sempre com medo e receoso do que possa acontecer. (…) É um mau ambiente lá dentro, é bastante difícil adaptar-te aquilo…


Pode descrever brevemente um estabelecimento prisional, referindo as condições em que vivia (cuidados básicos)?

As instalações não estão preparadas, não há condições!
Primeiro existem divisões, isto é, há celas que estão destinadas normalmente a uma ou duas pessoas, e praticamente é nestas que estão os reclusos mais conflituosos.
Por exemplo nas celas não existe casa de banho, por isso, eles vão sempre às públicas, mas também sabem que a partir da hora em que trancam tudo não há casa de banho para ninguém.
Depois tens as camaratas, e o número de pessoas aqui varia muito, pois depende da lotação, mas geralmente, há entre seis, doze ou catorze reclusos.
Na verdade, são praticamente um “quarto pequeno” com pessoas umas em cima das outras… onde tens casa de banho, separada por uma cortina, mas o engraçado é que não tens sanitas, tens buracos, um quadrado praticamente.
A nível da higiene pessoal, existe uma hora certa para duche, sempre de manhã. Claro que tomas banho num balneário enorme, e nem sempre tens água quente, pois se tiverem todos juntos a tomar banho, esquece… a quantidade de água é pouca e para além disso é fria, por isso tens de ser esperto e chegar logo em primeiro.
Tens sempre horas definidas. As celas e camaratas abrem-se às sete da manhã, que é a hora do pequeno-almoço, á uma hora, servem o almoço e por fim encerram as celas às sete. Durante o dia podes estar no recinto, na camarata, a trabalhar, a estudar, ou mesmo a passar o tempo no salão de jogos, biblioteca ou no ginásio. (…)
No estabelecimento prisional existe também um espaço “muito curioso”, que são as solitárias, isto é, é um espaço de castigo, em que não tens água, nem luz, e o teu intervalo é fora dos recintos dos colegas, reduzindo-se a 10 ou 15 minutos.


Quanto a sua relação com os restantes reclusos e inclusive com as autoridades, considera estável ou conflituosa?

É muito complicado… porque formam-se sempre grupos, e sabes que se quiseres sair tens de ter um bom comportamento, e isso implica afastares-te desses gangs.
Lá és muito discriminado, sobretudo se és uma pessoa com apoio familiar, que não se evolve em conflitos.
Eu tive nos primeiros dois, três meses tive problemas, porque tive de ganhar a minha autoridade, para que se não me roubassem constantemente e sem qualquer problema (chegam ao pé de ti e tiram-te a roupa, a comida que os teus familiares te trazem, etc.). No fundo se queres sobreviver lá dentro, tens de impor o teu respeito! (…)
Era um ambiente muito pesado, porque por exemplo, em Faro, havia “porrada” todos os meses, quando não era entre nós, era entre reclusos que queriam bater em guardas, cheguei a assistir inclusive a várias rusgas e à actuação da Polícia de Intervenção, que leva tudo pela frente, tenhas feito alguma cena ou não!
Resumindo e concluindo, para que não me ameaçassem, tive que impor muitas vezes o meu respeito, e o caminho era a pancadaria. A prova disso é que chegaram a partir-me a cana do nariz com um ferro, e outra vez parti o pulso. É assim, para impor o respeito, não podes mostra-te frágil, se não já sabes, se aquilo já é um inferno, se não te impões, ou ficas maluco ou não consegues sobreviver.


Como foi a sua experiência pessoal durante o período em que este esteve preso?

Má! Mesmo muito má! (…) Entras num ambiente que vês que não é o teu, com pessoas que não estás à espera. Sobretudo nos primeiros meses é muito constrangedor, um bocadinho forte. (…)
Para conseguir viver lá dentro (…) entreguei-me ao mundo do trabalho e no mundo da escola, era um bem essencial para mim, pois tens de saber jogar… praticamente trabalhei, na cozinha (desde lavar pratos, a cortar os alimentos, até a cozinhá-los) e ao estudo, comecei a concluir o nono ano e passava grande parte do tempo na camarata a ler. Depois para distrair-me, já numa fase mais avançada, comecei a frequentar o salão de jogos (existiam apenas cartas, domino, etc.)
Isto aliado ao facto de ter uma família presente, atenciosa, uma casa e uma condição estável para quando saísse constituíam verdadeiras “extras” num bom comportamento. (…)
Lá dentro, como todos os outros reclusos, tinha acompanhamento de uma psicóloga que avaliava o meu comportamento e todos os meses realizava um relatório sobre a minha evolução. (…)
No fundo, em Faro foi onde melhor tive, porque quando fui transferido para Beja, foi muito mais difícil. Tinha de começar tudo de novo, o regime era completamente diferente, muito mais rígido, por exemplo, tinhas de pedir licença ao guarda para te sentar, para ir almoçar, não podias tirar a blusa, tinhas de falar muito baixo … no fundo um universo de regras muito rígidas


Esta situação afectou-lhe psicologicamente, deixando sequelas, ou acabou por se adaptar?

Nos primeiros meses, confesso, que andei muito perturbado, vi situações das mais inimagináveis e repugnantes… Mas como sabia que um dia tinha de sair de lá, a medida que consegui a precária, e que o fim se aproximava consegui ficar mais calmo.

Esta experiência alterou a sua visão sobre o modo de estar na vida? Considera enriquecedora?

Enriquecedora como pessoa não, porque sai-se dali frustrado! (…) Mas a verdade é que depois de sair, tens uma visão completamente nova. Por nada deste mundo quero voltar para lá. As pessoas não sabem o que aquilo é, e antes de falar e julgar um recluso ou ex-recluso, têm de conhecer como é aquilo lá dentro, o que eles passaram, o que eles foram e o que eles são agora!

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