sábado, 29 de maio de 2010

Entrevista a uma pessoa próxima de um recluso

A visão que temos do mundo por detrás das grades é muito pouco elaborada face à verdadeira vida que lá corre. Sómente quem lida com essas vidas escondidas é que pode entender a violência psicológica que recai sobre si próprio, sobre quem gosta de um prisioneiro e quem o acompanha.



Idade: 37
Sexo: Feminino

Que ligação tinha com o recluso?
Era meu parceiro, meu namorado … tínhamos uma ligação muito forte.

Considera o indivíduo”boa pessoa”?
[…] Ele é boa pessoa. É um pobre diabo, como costumo dizer. Ele não agia por maldade, apesar de prejudicar as pessoas era tudo por dependência da droga.
A droga estava acima de tudo. O dinheiro que tinha não chegava por isso roubava. Principalmente ouro (…) depois vendia em Espanha para trocar por droga.
O que motivou a agir ilegalmente?
Como eu já disse, ele tinha um problema, era toxicodependente.
O corpo dele precisava dessas substâncias, caso contrário, ele ficava com muita ansiedade…completamente descontrolado.

Qual a pena imposta? Considera que a condenação foi justa?
Apanhou nove anos de cadeia, e com muito esforço, gastei elevadas quantias de dinheiro e consegui pagar um advogado para elaborar um recurso e reduzir-lhe a pena para menos dezoito meses. Não… porque acho que foram demasiados anos, embora ele tivesse antecedentes criminais, todos eles relacionados com o roubo, nove anos é muito tempo. No fundo, ele foi apanhado em “flagrante” no próprio bairro, a roubar ouro na casa de uma vizinha. Porém, tenho de admitir que os seus roubos não se limitaram a esta zona.

O sucedido teve influência na relação?
Sim teve… a relação não ficou igual de maneira nenhuma!
Ele foi levado no próprio dia de casa, foi para o posto… quando o vi estava com umas algemas, e não é uma situação nada agradável.
Depois os meus pais também não reagiram bem, e a verdade é que o ambiente em casa tornou-se pesado.

[…] Só o via uma duas vezes por semana, às quintas e aos domingos, e não estabelecíamos um contacto muito próximo, ou seja, não tínhamos intimidade, e isso obviamente afecta a relação, esta já não é a mesma. (…) Quando o vi pela primeira vez passados dois anos, ele pareceu-me um estranho.


Considera que a experiência como recluso modificou o comportamento e a atitude, levando-o ao arrependimento?
O seu comportamento não se alterou, porque o ambiente lá é mais perigoso, a situação é mais difícil, a verdade é que lá há mais tráfico de droga, os próprios guardas prisionais participam e ganham imenso dinheiro com isso, pois facilitavam a entrada de drogas e telemóveis lá dentro, pois estes materiais lá dentro são mais caros.



Esta situação afectou-lhe psicologicamente, deixando sequelas, ou adaptou-se?
Opa…são experiências diferentes. Embora eu tivesse consciência de que a situação estava a deplorar-se e que o seu comportamento não estava a mudar, sentia que não era a altura ideal para me afastar dele, pois estava a passar por uma situação difícil.
O ambiente é horrível, cinzento!


Pode descrever brevemente um estabelecimento prisional?
Bem aquilo é horrível. Imagina o que é estares fechado durante 5 anos, sem veres uma criança, um animal, uma mulher, só vês homens, grades, paredes. Estás muito condicionado… não vês nada. Imagina viveres 24horas rodeado de homens, depois conviveres com eles num pátio que é do tamanho desta escola. Claro, há “meninos” daqueles que andam às voltas mais de 15 dias porque já não sabem sequer o que fazer. Aquilo “dá cabo da cabeça”, só que está habituado a viver lá dentro é que suporta.


Na infância e na adolescência o indivíduo já demonstrava sinais de delinquência e comportamento anti-social?
Sim, a primeira vez que foi preso tinha 16 anos, por pequenos roubos em super-mercados, e a medida que aumentou a sua dependência pela droga o número de roubos cresceu, como também os objectos procurados eram de um valor cada vez maior.

Tinha antecedentes familiares no mundo do crime?
A família dele não têm antecedentes criminais, é uma família normal, apesar de viver num bairro social problemático. Acho que isso não está muito relacionado, porque em todos os lados há pessoas boas e más. Por isso, foi mesmo a sua grande dependência face a droga que influenciou a sua acção.

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